Mato Grosso do Sul
Pesquisa deve impulsionar a produção do Ovino PantaneiroRaquel Brunelli/ Embrapa Pantanal

A crescente demanda por carne ovina no Brasil abre espaço para uma nova alternativa de produção no Pantanal: a criação do Ovino Pantaneiro. Estudos liderados pela Embrapa Pantanal (MS) indicam que essa variedade, adaptada ao bioma há séculos, pode impulsionar a ovinocultura na região sem causar impacto ambiental significativo. Os trabalhos se dão no âmbito do projeto “Estratégias para o desenvolvimento de soluções genéticas para sistemas de produção de carne de ovinos no Brasil”, coordenado pela Embrapa Caprinos e Ovinos (CE).
A principal aposta da pesquisa é o melhoramento genético dos rebanhos, selecionando animais mais resistentes a doenças e com características favoráveis à produção de carne. “As pesquisas em desenvolvimento têm como objetivo caracterizar os Núcleos Pantaneiros a fim de fornecer um painel detalhado da diversidade genética em Mato Grosso do Sul. Com isso, pretendemos fornecer subsídios para os programas de manejo e melhoramento genético”, explica a pesquisadora da Embrapa Adriana Mello.
Os trabalhos incluem a caracterização genética da espécie e a busca por marcadores que favoreçam rusticidade, prolificidade e resistência a verminoses. Além disso, novas estratégias estão sendo testadas para aprimorar a nutrição e o manejo sanitário dos rebanhos. “O Ovino Pantaneiro já possui alta adaptação, mas queremos garantir que ele tenha desempenho produtivo superior sem perder essas características naturais”, acrescenta Mello.
A História do Ovino Pantaneiro
A raça adaptada tem origem no Pantanal, bioma singular que exerce seleção natural intensa nos animais domésticos naturalizados. Devido às condições ambientais da planície alagada, os ovinos pantaneiros sul-mato-grossenses desenvolveram características adaptativas e produtivas que justificam a sua conservação. Esses animais são descendentes das raças trazidas pelos colonizadores portugueses e espanhóis logo após a descoberta do Brasil, desde o ciclo econômico das Charqueadas, com exemplares trazidos pela fronteira Oeste do Brasil na colonização Espanhola.
Anos de cheias, vazantes, secas e geadas se passaram e rebanhos de ovinos em lugares remotos sobreviveram, geração após geração, dando origem ao que é conhecido hoje como o Ovino Pantaneiro (OP). Por cinco séculos, esses animais se multiplicaram, com mínima interferência do homem, sendo fortemente influenciados pelo processo de seleção natural. A ovelha pantaneira é exemplo de animal adaptado mantido ao longo do tempo como fonte de alimentação e produção de couro e lã.
Desde 2005, esses animais vêm sendo estudados por uma rede regional formada pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a Universidade Anhanguera (Uniderp), a Universidade Estadual Mato Grosso do Sul (UEMS) e a Embrapa, por meio do Centro de Pesquisa Pantanal. A Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect-MS) financiou os trabalhos de pesquisa.
O trabalho científico ainda pretende prevenir a extinção da raça, pelo risco de ela ser substituída por raças exóticas. Foram adquiridos no passado mais de 300 animais “pantaneiros” provenientes de criações do alto (Planalto) e baixo pantanal (Pantanal) sul-mato-grossense.
Atualmente, os rebanhos são mantidos em sistemas extensivos, convivendo com bovinos e equinos em pastagens nativas. Essa criação associada tem semelhanças com sistemas produtivos do Semiárido nordestino e pode ser uma alternativa viável para pequenos e médios produtores do Pantanal. A baixa exigência nutricional e a resistência a doenças reduzem os custos de produção, tornando a atividade mais acessível para agricultores familiares.
Desafios atuais
Apesar do potencial produtivo, desafios ainda impedem o crescimento da atividade. A falta de estrutura para abate e comercialização é um dos principais entraves. "Corumbá, que concentra o maior rebanho ovino de Mato Grosso do Sul, não tem abatedouro próprio. Isso dificulta a formação de uma cadeia produtiva organizada", conta Mello. Para os produtores, essa limitação significa custos adicionais com transporte e dependência de frigoríficos distantes, tornando a atividade menos competitiva.
Outro problema é o manejo sanitário, que ainda carece de padrões definidos. Muitos produtores realizam vermifugação sem critérios técnicos, o que pode gerar resistência parasitária e comprometer a produtividade dos rebanhos. O calendário vacinal dos animais também precisa de critérios técnicos de adoção. Para enfrentar essa questão, pesquisadores desenvolvem protocolos sanitários específicos para a região, buscando alternativas naturais para o controle de verminoses e doenças tropicais.
Segundo o gestor da Cadeia ovino e caprinocultura do estado, Márcio Henrique Boza, o principal desafio agora é organizar os produtores e as produções para atender as demandas da indústria e consumidores. Ele conta que o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul desenvolveu um programa de incentivo financeiro para o desenvolvimento da atividade nas propriedades. Outra solução foi a criação das Propriedades de Descanso de Ovinos para Abate (PDOA), para viabilizar abates coletivos, nas quais é possível concentrar animais prontos para o abate de mais de um produtor para a formação de lotes viáveis à indústria.
Carne de valor superior à bovina, e de menor custo de produção
O impacto socioeconômico da ovinocultura no Pantanal pode ser significativo. Pequenos produtores que já investiram na criação do Ovino Pantaneiro relatam bons resultados, como aumento na renda e maior estabilidade financeira. "A carne ovina tem valor de mercado superior à bovina, e os custos de produção são menores. Com incentivos adequados, a ovinocultura pode se tornar uma excelente fonte de renda para famílias pantaneiras", afirma o produtor João Pedro Rocha, que possui um rebanho de 200 cabeças na região.
Para incentivar a produção, o governo de Mato Grosso do Sul lançou programas de apoio financeiro e logístico, como o Proape Ovinos, que busca estruturar a cadeia produtiva e viabilizar o abate coletivo de pequenos criadores. "Nosso objetivo é organizar os produtores para atender à demanda da indústria e do consumidor", explica Márcio Henrique Boza, gestor da cadeia de ovinocultura no estado.
A carne ovina tem mercado crescente no Brasil, mas a produção nacional ainda é insuficiente para atender à demanda. Atualmente, cerca de 50% da carne consumida no Centro-Oeste é importada de estados como Rio Grande do Sul ou de países como Argentina e Uruguai. “Isso mostra a oportunidade que temos para expandir a criação e consolidar a produção local”, avalia o produtor Carlos Henrique Evangelista, que pretende introduzir o Ovino Pantaneiro em sua propriedade.
Os pesquisadores também exploram o potencial da carne do Ovino Pantaneiro para nichos específicos de mercado, como consumidores que buscam produtos de origem sustentável e com rastreabilidade garantida. "O conceito de carne de terroir tem atraído a atenção de chefs e restaurantes especializados, o que pode agregar valor à produção regional", aponta Mello.
O futuro da ovinocultura no Pantanal depende da consolidação da raça e da estruturação da cadeia produtiva. A pesquisa continua para garantir que o Ovino Pantaneiro se torne um diferencial competitivo para os criadores da região. Com potencial produtivo e adaptação ao bioma, a raça pode ser uma alternativa sustentável para a pecuária pantaneira e uma solução para fortalecer a oferta de carne ovina no Brasil.
Características do Ovino Pantaneiro
A pesquisadora Adriana Mello conta que a adaptação desses animais ao ambiente ao longo do tempo moldou características únicas a esses ovinos, como a distribuição da lã no corpo, com pouca ou nenhuma lã nas pernas, barriga e pescoço - locais que permaneceriam mais tempo molhados por se locomoverem em locais repletos de água e de vegetação densa.
O seu porte é médio, refletindo menor necessidade de mantença nas condições de obtenção de alimento no pantanal e também agilidade de locomoção. A condição corporal desses ovinos apresenta outra característica física diferenciada: à primeira vista, leva à impressão de estarem sempre magras. “Isso revela não terem exigências calóricas elevadas, não acumulando gordura em excesso”, explica a cientista.
Tanto os machos como as fêmeas são precoces e não possuem sazonalidade reprodutiva, assim, nas fazendas do pantanal, o nascimento de cordeiros pode ser controlado ao longo de todo o ano de acordo com a pesquisadora. “Esses cordeiros nascem com peso médio de três quilos e, após a desmama (entre 70 e 84dias), quando submetidos a sistemas intensivos como confinamento ou semi-confinamento respondem bem, sendo abatidos por volta dos cinco meses de idade com peso entre 30 kg e 35 kg.
Notícia adaptada pela Equipe Capril Virtual com informações Embrapa Pantanal (27/03/2025)