Rio Grande do Sul
Pesquisa do PPG em Zootecnia revela alta qualidade da carne de cordeiros nativosKéke Barcellos / Embrapa
O Rio Grande do Sul tem o terceiro maior rebanho de ovinos do Brasil, segundo a última Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE. Atrás da Bahia e de Pernambuco, o estado acumula 3,3 milhões de cabeças de ovelhas e carneiros, mas grande parte desses animais é de raça exótica. Em sua tese de doutorado no Programa de Pós-graduação em Zootecnia, Andressa Madruga escolheu uma das raças nativas sul-americanas como objeto de estudo a fim de entender como é a carne e a carcaça do animal da raça Crioula.
A partir das medidas morfométricas e das características do próprio animal e da carne, percebeu-se que a carne Crioula apresenta considerável suculência e que sua composição química é ideal para a alimentação. O teor de ácidos graxos também foi levado em conta, pois é um dos principais parâmetros de qualidade da carne. No caso dessa raça, os ácidos graxos saturados (considerados maléficos à saúde) estão dentro do padrão.
O experimento da pesquisadora foi realizado em duas etapas, cada uma em um sistema de produção diferente. Primeiro, ela reuniu as informações de três raças de cordeiros criados em confinamento e, em seguida, fez o mesmo levantamento no sistema de campo nativo. Para isso, foram comparados cordeiros puros das raças Crioula e Texel. No confinamento, também foi analisado um cruzamento entre a raça exótica Dorper com a Crioula.
“A gente não esperava esses resultados positivos pra Crioula, tanto pro animal in vivo como pra carcaça. Ela é considerada uma raça bem inferior, embora resistente” - Andressa Madruga
Hoje em dia, o cordeiro Crioula é usado para fabricar lã, enquanto o animal usado para a carne é de raça exótica, no geral. Nos estados do Nordeste, por exemplo, é comum o abate de cordeiros Santa Inês para essa finalidade, enquanto no Rio Grande do Sul o lugar é das raças exóticas Dorper e Texel, que foram analisadas por Andressa.
O experimento
Na etapa inicial, os animais só podiam comer uma ração de farelo de soja e de milho, além de feno moído de alface. Passavam quatro horas em jejum e podiam beber água à vontade. “É um sistema de produção intensivo, quando os animais ficam estabulados, cada um fica na sua baia individual”, conta a zootecnista. Após o abate dos cordeiros Texel, Crioula, e do cruzamento de Crioula com Dorper, foi constatado que as três raças tinham resultados muito semelhantes quanto ao teor de ácidos graxos e de proteínas.
Já no campo nativo, sistema que é mais comum no Rio Grande do Sul, os ovinos podiam circular livremente pelo pasto e não tinham restrições alimentares. Nesse caso, a raça nativa teve desempenho menor do que no confinamento: “O nosso pasto não veio como se esperava, ele não teve o crescimento que seria necessário. A gente acredita que esse seja um dos fatores para o Crioula ter se mostrado um animal inferior no campo nativo.”
Em sua pesquisa, Andressa avaliou os animais a partir de comprimento corporal, peso, espessura de gordura, marmoreio e outros parâmetros sensoriais, como a cor e a maciez da carne. O objetivo era compreender a diferença da carne e carcaça de cada uma das três raças estudadas. Ao mesmo tempo, o uso do cruzamento entre duas raças (Crioula e Dorper) serviu para analisar se haveria mudanças na produtividade do animal.
Ao cruzar uma raça tipicamente carniceira com outra que é utilizada no artesanato, as características obtidas foram superiores. A carne teve a maior maciez e suculência entre as três raças estudadas.
Andressa conclui que será uma ótima opção utilizar a raça Crioula como um perfil materno, isto é, em cruzamentos: “Eu acredito que seja o animal mais ideal pro sistema de produção aqui do estado, porque a gente vai ter animais mais resistentes a verminoses, e um animal com uma qualidade ideal de carne”.
A raça nativa pura demonstra ser facilmente adaptável. São cordeiros resistentes às secas, às chuvas e a diversos tipos de clima e relevo, o que é importante para a atividade pecuária de um estado como o Rio Grande do Sul. Também, os Crioulas são resistentes a ectoparasitas e a verminoses, ou seja, seu risco de mortalidade é bem menor.
Por outro lado, a raça exótica pura apresenta características como melhor qualidade da carne e conformação, maior deposição de músculo e adaptabilidade. O cordeiro Dorper tem altas taxas de crescimento e musculosidade e sua carcaça é de boa qualidade, o que possibilitou melhores resultados quando houve o cruzamento.
Ao escolher a raça nativa da América do Sul como objeto de pesquisa, Andressa contribuiu para superar a desvalorização desse ovino. Em uma realidade em que a lã desse animal é tida como inferior, torna-se necessário achar um aproveitamento melhor para o animal no setor agropecuário. Mesmo que ainda não seja amplamente usada para o abate, a raça Crioula tem o potencial para isso.
Com composição química dentro do padrão, maciez e suculência, a carne surpreendeu as expectativas da zootecnista e de sua equipe. Ela não deixa a desejar. Pelo contrário: não perde em nada para as raças exóticas.
A tese de doutorado de Andressa está disponível no Lume – Repositório Digital da UFRGS.
Notícia adaptada pela Equipe Capril Virtual com informações Jornal da UFRGS (11/10/2024)